Surfe deluxe

Viagem de surfista: Indonésia (I)

15.11.07

"O Rodrigo vai pra Indonésia". Quem me contou foi um primo, o Marçal, numa manhã de sol quente e ondas mornas no Pontão do Leblon. Ele já tinha ido e sabia do meu velho desejo. Pela primeira vez na vida, tinha, ao mesmo tempo, uma janela de tempo e uns trocados pro sonho.

Rodrigo, designer e surfista do Leblon, queria ir além do óbvio: sonhava voltar à Ilha de Asu, em Sumatra. Descreveu com detalhes cada passeio nos salões verdes e vazios daquele pedaço de coral no fim do mundo. Deixou um DVD de sua experiência. E falou que ainda poderíamos passar alguns dias em Bali e Java.

Me convenceu, claro.

Corri para as referências. Tava numa velha Surfing, de 1992: "..Sumatra. Não é uma viagem fácil. Os percalços no caminho podem incluir doença, problemas com a língua, métodos de viagem rudimentares, tempo sujeito a tempestades violentíssimas, doença, contusão, doença (...). Mas há ondas melhores que as de G-land (na Ilha de Java, mais perto da civilização)".

Li também uma história no extenso guia Surfing Indonesia: "Numa viagem recente a Asu, ouvimos falar do caso de um surfista australiano que contraiu uma forma virulenta de malária cerebral durante um período de espera por swell. Ele foi levado num barco lento até a Baía de Lagundri, na Ilha de Nias e, depois de ser transportado de ônibus até Gunungsitoli (cidade do outro lado da ilha), morreu dos efeitos da malária, antes que pudesse ser transportado para uma cidade grande, com infra-estrutura médica."

O guia frisa que a história pode ser apenas uma lenda, mas diz que o viajante deve levá-la em consideração antes de embarcar. Como diz o povo local, "awas" (preste atenção). Como seguro morreu de velho, tomei algumas vacinas e muitos conselhos antes da viagem.

Chegar ao paraíso não é fácil: Rio-SP-Santiago-Auckland-Sydney-Denpasar. 36 horas, contando as escalas. Olhos negros e fuso horário torto, desembarcamos numa nuvem de incenso, odor doce. Dentro de uma bolha de vidro, fumantes repunham o tabaco perdido no vôo. Muitos australianos, vários europeus, uma penca de japoneses, alguns brasileiros. "Isto é Bali...", largou Rodrigo, num sorriso largo.

Na enorme placa, estampada na cara da fila da imigração, um contundente aviso: pena de morte para tráfico de drogas. Isso não é um aviso para mim. Pelo menos era o que eu imaginava.

Uma hora numa fila de imigração com mais de 100 cabeças não era nada. Afinal, Airport Left era logo ali. E Uluwatu tava mais perto que a Prainha do Leblon.

Entregamos os passaportes ao guarda que nos abriria as portas do paraíso. Cara feia daqui, sorriso irônico meia-boca dali e o puto manda:

- Tip? Tip? Tip?

Tip –noun
1. a small present of money given directly to someone for performing a service or menial task; gratuity: He gave the waiter a dollar as a tip.

Na língua oficial de Camões, gorjeta. Na nossa, gruja, jabaculê, changa, lambidela, molhadela, xixica.

Porra, eu é que vivo no país do tip. Olhei para o Rodrigo com a cara de quem não tava entendendo nada. E tinha entendido tudo. Peguei o passaporte e segui adiante.

Mais um obstáculo vencido, era hora de pegar as bagagens. Malas e pranchas? Extraviadas.

Caráio! Eu só pensava em Uluwatu. No idílico Ulu 32, nas ondas de orelha de caderno - iguais à de lá -, nos inúmeros sonhos de tubo sem fim.

No táxi, conheci o sorriso fácil do balinês. Povo pobre, afeito à alegria. A impressão não mudou no Hotel Dewbarata, em Kuta, onde ficaríamos por três dias, antes de viajar para Asu. Mas Uluwatu ainda estava mais longe que eu pensava.

Um funcionário da Quantas ligou avisando que as pranchas tinham ficado retidas na imigração. Agora, meu problema não era mais com a companhia aérea, e sim com os indonésios. Pouco antes, tinha escutado no hotel a história de uma australiana presa depois de supostamente plantarem pó na bagagem dela. Achacada, teria pago US$ 50 mil e voltado pobre para casa.

Porra, não tenho droga nem US$ 50 mil. Seria a cadeia meu destino? Longe da mulher, da filha e sem Ulu? Achei o cônsul do Brasil em Bali, que me falou, por telefone: "Não vá ao aeroporto sozinho. Posso te acompanhar daqui a duas horas. Me aguarde".

Esperei, tenso. Chegamos lá e, com uma carteirada de diplomata, minhas pranchas estavam liberadas, diante de guardas de imigração surpreendentemente gentis.

Tava seco por ondas. Molhei o corpo pela primeira vez em Uluwatu. Um fim de tarde com um metrinho de onda, sem muito crowd, que rendeu tubinhos e, claro, o velho sorriso de volta ao rosto. Agora sim, estávamos na Indonésia. Ainda deu para brincar uma manhã em Airport Left antes de acertar os preparativos para a Sumatra.

Asu era mais longe que imaginávamos. Era feriado da independência da Indonésia (Soekarno a proclamou em 17 de agosto de 1945) e não tinha vôo vago para viajar via Jacarta. Teríamos que sair do país, pousar em Kuala Lumpur (Malásia) e depois voltar para Medan (capital de Sumatra). E esse era só o início da viagem até o fim do mundo.

Na segunda parte, que será publicada em alguns dias, conto a aventura de Asu.

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