Surfe deluxe

Jihad em dois tempos

3.1.09

A edição 277 da Fluir (capa com uma arte sobre o rosto de Slater) é esclarecedora para quem deseja entender a montanha-russa emocional do surfista brasileiro no WCT. Em especial por conta da boa entrevista com Jihad Khodr, um contundente contraponto com as declarações do paranaense no fim de 2007, quando ele tinha acabado de ser campeão brasileiro.

Na ocasião, Jihad afirmou que brigaria com os top 5 e entraria para vencer logo de cara, na Austrália. Lembro bem que, na mesma edição, o incensado Dane Reynolds - que já possuia credenciais bem mais consistentes que o paranaense - dava declarações bem mais ponderadas sobre seu futuro na elite. Aquilo me espantou.

Jihad jamais tinha surfado em Teahupoo. Não tinha técnica para surfar ondas tubulares para a esquerda, de backside. Desprezou a bagagem de quem labuta na elite há anos, de quem sabe o que é preciso para vencer os melhores do mundo. Imaginou que sua técnica apurada em direitas manobráveis seria suficiente para lhe garantir bons resultados em Snapper Rocks e Bell's Beach. Talvez tenha esquecido dos tantos outros excelentes surfistas naquelas ondas.

Jihad teve problemas, é verdade. Perdeu o patrocinador, o manager e o título brasileiro, que está sendo discutido na Justiça. No meio da temporada, parecia desnorteado de tanto levar porrada. Por isso tudo, não dá para condená-lo nem dizer que ele pagou pela arrogância. Era um garoto, um garoto que chegava despreparado ao mundo sem margem para erros dos adultos.

Na Fluir do mês passado, o discurso dele mudou. Fala aí: "Percebi que o WCT era muito mais difícil que eu imaginava (...). O WCT é totalmente diferente do WQS. O Jihad veio do beach break. Sei que naquela onda mexida, de um metro, sou um dos melhores do mundo. Mas, agora, em Teahupoo, eu nunca tinha visto aquilo. Como querem cobrar um resultado de mim se eu nunca tinha surfado lá? (...) As ondas do Dream Tour são pesadas e as pranchas têm de ser especiais. Estou nessa transição com meu quiver, que era bom para WQS, mas precisa ser melhorado para o WCT. E o principal de tudo é que não consegui soltar meu surfe nas baterias."

Jihad está mais perto do mundo real, apesar de culpar a falta de apoio dos patrocinadores pela sua inexperiência em ondas pesadas. Discordo. Claro que os patrocinadores têm de ajudar, mas qualquer amador, com algum esforço, pode fazer uma clínica intensiva no Taiti. E o surfista já sabia- por vídeos e fotos - do tamanho do problema de Teahupoo e cia ao entrar no WCT.

Mas, no fim do ano, o paranaense de 24 anos mostrou que não se chama Jihad por acaso. Foi ao Havaí e, contra todos os prognósticos, conseguiu a classificação para a elite pelo WQS. Na raça mesmo. Voltou à estaca zero, ganhou o direito a um novo começo. E deve saber que, se quiser progredir, terá que passar todo o tempo que lhe resta treinando feito louco nas ondas mais difíceis do tour. Essa é a única saída para um futuro melhor. É isso ou mais trigésimos-terceiros.

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