Surfe deluxe

Opinião: Burle em três tempos

5.6.08


Dia desses, peguei uma praia inesquecível com a família. Fomos à Barra convidados pelo Carlos Burle. Ele chamou uma galera tranqüila para surfar de fish e se divertir em meio metro de onda, mar cristalino, água quente e sem vento, debaixo de um sol tão ameno que parecia ter sido ajustado em termostato. O evento, chamado de Mitsubishi Fish Classic, foi dominado de maneira inconstestável pelo Teco Padaratz e pelo advogado-surfista - ou seria surfista-advogado? - Serginho Chermont. Mas, em vez de falar do evento, prefiro contar mais sobre o Burle.

De minhas memórias de moleque, a mais viva é num brasileiro no Pontão do Leblon. Eu era bem moleque, mas lembro da minha admiração pela linha suave e fluída que ele fez naquelas ondas de elevador. O Fernando Bittencourt venceu, mas saí dali com a certeza de que o melhor surfista daquele dia tinha sido o Burle.

Mais tarde, coisa de oito anos atrás, iniciei com ele uma relação profissional saudável. De repórter com surfista. Contei boas histórias em que Burle era o protagonista, ao lado do Eraldo. Dos encontros vividos, ficou a impressão de que o cara tinha três habilidades raras, além da técnica nas ondas: coragem serena, tino para se comunicar e gentileza.

Sobre a coragem: certa vez, embarquei com a dupla num barquinho de alumínio - feito para águas paradas - num Grumari em dia de mar grosso, com vagas de dois metros. A missão era conferir uma laje existente entre Grumari e Guaratiba. Só saímos do canto direito da praia, que é abrigado das ondas, quando um amigo fora d'água nos avisou da calmaria. Burle encheu o motor de potência e, de repente, ouvimos um barulho esquisito. Rateou, o motor rateou enquanto o horizonte se enchia com uma série de ondas.

A dupla ainda discutia o problema quando a primeira onda passou sem quebrar. Veio mais uma, desta vez maior, e Burle conseguiu botar o barco na única posição em que ele não viraria. O casco de alumínio parecia que ia rachar em várias partes quando o barco saltou a onda, trôpego. A essa altura, eu já estava pronto para pular. Mas, com uma tranqüilidade quase irritante, os dois consertaram o defeito no motor e seguimos adiante. Manter a calma em situações tensas é um dos maiores sinais de coragem num surfista.

Sobre a gentileza: Burle organizou o Mitsubishi Fish Classic para os amigos. Providenciou espaço para as crianças brincarem, comes e bebes à vontade, uma puta infra-estrutura e presentes. Em nenhum momento, quis ser o personagem principal da festa. Não escolheu a prancha mais esticada entre as disponíveis para os competidores. Dentro d'água, tentou ser fiel à linha de surfe mais clássica, mesmo sabendo que aquilo poderia custar sua classificação para a fase seguinte. Mas foi do amigo Bezinho a melhor definição de sua gentileza: "Ele é o tipo de cara famoso que, quando te encontra, toma a iniciativa de perguntar se você lembra dele, de quando se encontraram tempos atrás no Havaí. Pô, é claro que eu lembro dele. Achei que fosse ele que não lembrasse de mim. Ele tem esse cuidado com as pessoas."

Sobre o tino para comunicação: essa é a mais simples. Burle desde cedo percebeu que a construção dessa imagem de surfista de ondas gigantes que une coragem à gentileza poderia transformá-lo num personagem querido pela mídia. Para facilitar as coisas, foi um dos primeiros surfistas brasileiros (se não o primeiro) a contratar um assessor de comunicação, o Márcio Bacana, para trabalhar a sua imagem. Deu certo.

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