Surfe deluxe

Diário (VI): caldo, tsunami e Slater

20.1.08

No quarto post do diário do Havaí, escrito pelo economista-surfista Pedro Ribeiro - ou seria surfista-economista -, os quatro últimos dias de surfe intenso no arquipélago havaiano, com direito a alerta de tsunami, supercaldo em Sunset e Pipe com Slater.

Leia os outros posts do diário no marcador Pedro Ribeiro.

DIA 10, 11, 12 e 13

Depois de esperar o novo carro da Avis por conta de um problema na ignição do que estava comigo, me dirigi às ondas. Escolhi surfar Rocky Point com direitas perfeitas de 4-5 pés nas séries. Já era fim de tarde, tempo nublado, vento meio de lado mas ainda terral. Surfei 5 ondas, uma delas um tubo pra esquerda. Na saída quase me arrebentei nas pedras. É sinistro aquilo ali.

No dia seguinte, o mar amanheceu já virado pra oeste e com tamanho demais. Acordei com a sirene do campeonato de bodyboarding, que forçou as meninas a se atirarem em ondas cavernosas. Coitadas... Uma ou outra, de vez em quando, conseguia sair do tubo ou fazer uma boa onda. As séries batiam os 12 pés fácil, e Banzai começava a despertar.

Depois de rangar, fui checar Sunset e a vizinhança. A danada bombava. Duas ambulâncias fazendo resgates. Helicópteros vermelhos sobrevoando as ondas. Um cara todo ensangüentado andando pela rua... lanhado. É o tal do North Shore quando dá onda.

Como a previsão era que o mar continuaria subindo, e sendo este um swell de oeste, preferi não me arriscar em Sunset. Nessas condições, sobe uma série lá que lava a tudo e a todos. Conversei com os mais experientes e preferi deixar o surfe do sol poente pro dia seguinte. Fui conhecer Velzyland, que não estava quebrando bom. Remação louca, golfinho pra caraca e apenas algumas ondas boas e manobráveis. Que merda.

A noite foi sinistra. Helicópteros sobrevoando a praia à procura de dois desaparecidos. Além disso, lá pelas 7h da matina, comecei a ouvir um alarme de carro que não parava de soar. Descobri que o alarme era o do meu carro, e que tinham aberto a mala à procura de objetos de valor. Pelo menos não quebraram a fechadura. O pessoal das agências de aluguel de carro coloca um adesivo enorme alertando para não deixar nada no porta-malas, porque por aqui isso é bem comum. Deve ser duro viver num país tão violento.

Peguei o carro e fui checar os picos, mas já sabia onde ia cair. Sunset bombava séries esporádicas de 12 pés com bombas de 10 vindo a todo momento de oeste com terral forte. Nessas condições, a onda empareda e roda um tubo largo tanto no drop quanto no meio da onda. Peguei minha 8 pés e fui junto com o Stephan Figueiredo e mais dois novos hóspedes da casa. O mar estava maior que na outra caída, e as séries vinham do canal varrendo tudo. Tava sinistro. Não arrisquei ficar na cozinha e fui lá pra fora. Acreditem, estava faltando prancha! Precisava de uma prancha mais larga ou maior, pra me dar mais velocidade na remada.

Depois de 1 hora sem pegar nenhuma, mudei a estratégia e fiquei mais embaixo. Pra quê? Tomei a maior série da minha vida em cheio. Achei que ia morrer, sério. Foram 3 ondas de 12 pés que mais pareciam uma parede de água. Pior é que eram mais 15 comigo e, de vez em quando, acabam alguns se embolando. Perigoso. Larguei a prancha e mergulhei o mais fundo que pude. Ela me pegou mesmo assim, e me jogou ainda mais pro fundo. Ferrou, pensei. Como vou subir de volta? Me agarrei no estrepe e comecei a puxar. Estava de cabeça pra baixo nesse momento porque quando dei o primeiro puxão, vi que desvirei. Sinistro! Emergi que nem um fdp e quando olhei já vinha outra... igual. Essa não me apanhou que nem a primeira e passei tranqüilo, o que me salvou. Subi na prancha e pensei comigo: que perrengue!

Olhei pros lados, a cara de sufoco era geral. Uns de prancha quebrada, outros já remando em direção à praia. Ainda não tinha pego nenhuma, e não podia ficar assim. Continuei atrás da galera do pico, entrando pra debaixo das ondas sempre que a série passava. E... tomei de novo, acreditam? Dessa vez, a série foi de uns 9-10 pés e no mergulho consegui me salvar.

Veio uma de 6 pés quando já estava quase desistindo. Fui nela com outros dois caras, mas que se foda! Contou, porra. O drop foi complicadinho e valeu o esforço. Depois peguei mais uma que fechou e dropei uma outra de 6 pés que jogou o lip na pulta que paréu. Achei que fosse me fuder, mas completei. Já não agüentava mais. Tô fora!

Fui surfar no final de tarde em Haleiwa, já que estava tudo over. O vento estava meio torto lá, com séries de 7-8 pés armadas com vários locais no pico. Como se já não fosse o bastante, ainda tinha uma correnteza fdp que levava pro outside. Querendo surfar as intermediárias, acabei tomando na cabeça... de novo!!! Fui parar na esquerda, em frente a um quebra-mar pra onde as ondas insistiam em me levar. Foi a remada mais cansativa da viagem. Cheguei no pico por trás e não veio nada. Acabei surfando umas 3 que fecharam. Que merda! Tentei pelo menos.

Calma que o melhor ainda esta por vir... Saímos do surfe e passei na Quiksilver pra efetuar umas compras. Preços ótimos. Chegando em casa, nos deparamos com a noticia de que um terremoto muito forte tinha atingido o Japão e que um alerta de tsunami estava em vigor para o Havaí. Pqp!!! Só faltava essa. Foram 2 horas de tensão até que o alerta foi suspenso. Graças a Deus. Me caguei de medo, galera. Os carros passavam voando na highway, buzinando. Os vizinhos na porta de casa perguntando o que fazer... muito chato.

Mini flashback: A ilha tem um sistema de alerta que é testado todo dia 1 às 11h45m, exceto no ano-novo, quando é feito no dia 2. Pois bem, tinha acabado de chegar à ilha, estava me preparando pra minha primeira caída, quando um som alto pra cacete dispara. Coração a milhão, penso comigo: porra! Tsunami antes de eu surfar é sacanagem! Corri até em casa e perguntei que porra era aquela. Um vizinho avisou que era apenas teste.

Acordei muito cansado, resolvi não surfar pela manhã. Fui conhecer a tal da Waimea Falls, tipo um jardim botânico, que tem uma cachoeira bem legal. Cheguei em casa, e o report em frente de casa foi animador. Nem vi o mar, peguei minha prancha 6,10 e fui direto pra Pipeline. Chegando na areia, fiquei chocado com o crowd e com a perfeição das ondas. Mas tava grande! Foda-se. Último dia! Remei com tudo, entrei fácil.

Lá dentro me posicionei ao lado do Guga Arruda e bem perto do Kelly Slater e do Rob Machado. Os locais estavam em peso, o clima estava bem pesado. Tratei de arregalar meus olhos porque se ficasse passivo não iria surfar. Depois de umas 3 séries de análise, surfei uma pequena que fechou. Fiquei amarradão só de conseguir pegar a primeira.

Voltei com vontade apesar da vontade de sair do mar... alive. Fui pro meu canto, vi duas ondas espetaculares do Slater. Animal! Ficava rindo sozinho, encantado com o momento. Nesse contexto todo, um arco-íris se formou de cabo a rabo bem na nossa frente. Momento mágico. Veio uma série torta, meio de canto e remei com vontade. Fiquei sozinho nela... maravilha. Completei o drop sem problema mas a onda não rodou. Que pena! Já me satisfiz. Surfar 2 ondas em meia hora naquele pico com crowd já tava ótimo. Volto pra casa feliz. Quem sabe na próxima vez não surfo o tal tubão em Pipe?

Tô no aeroporto. Embarco em pouco tempo. Foi um prazer compartilhar os principais momentos da viagem dos meus sonhos. O lugar é mágico. Recomendo a todos que venham, com ou sem prancha.

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